sábado, 15 de agosto de 2009

pALAvra de púbLICo...

SOFIA EMBAIXO DA CAMA

Eu vi e aplaudi em pé!!!

“Sofia embaixo da cama” é um espetáculo que prima por valorizar a riqueza e beleza do universo infantil. Faz isso buscando retirar a criança daquele lugar em que comumente é colocada pela indústria cultural, que tende a imbecilizá-la com conteúdos estereotipados e preconceituosos, empobrecendo a possibilidade imaginativa e crítica do público infantil. Esse espetáculo, ao contrário, demonstra grande respeito ao seu público, na medida em que inverte estereótipos e valoriza como conteúdo central do texto, uma radical característica da infância: sua genuína capacidade de sonhar!

Uma criança princesa que não é dócil, mas arrogante e tagarela; um príncipe-sapo que não é corajoso; uma traça bibliotecária cansada, namoradeira e sedenta por férias; um pingüim exibido metido a dançarino e ator; um bicho-papão carente e solitário; um rato maluco metido à cientista e um ladrão de sonhos aterrorizado com pesadelos e invejoso dos sonhos das crianças. Esses são os personagens que vão causando espanto e surpresa na medida em que, com seus autênticos figurinos e suas personalidades às avessas, escapam aos estereótipos que associam o bonito, bom, delicado, dócil, corajoso versus o feio, mau, amedrontador, grosseiro, medroso. São representações de personagens que pouco aparece nos livros de literatura infantil, nos desenhos animados e nos enredos de peças infantis, mas que podem ser encontrados escondidos embaixo das camas das crianças...

A relação do sonho, no espetáculo, pode ser feita com o imaginário infantil, aspecto que predomina na lógica das crianças de interpretar e se relacionar com a realidade. Nesse sentido, ao invés de tratar a imaginação como algo que as crianças usufruem por não terem a mesma capacidade que os adultos têm de entendimento do real, o espetáculo valoriza essa capacidade de imaginar como a possibilidade de se transportar para outros mundos, trocar e aprender com novos personagens e sentir emoções que, muitas vezes, não cabem na lógica da realidade racionalizada. E faz disso seu conteúdo central, aquilo que causa inveja ao “ladrão dos sonhos”, personagem que vive aterrorizado em pesadelos e que, com a ajuda do cientista maluco, tenta roubar os sonhos das crianças. Seria o “ladrão dos sonhos” o protótipo do adulto que, enclausurado em seus medos, já não consegue mais sonhar como as crianças?

O espetáculo não deixa claro se Sofia está dormindo ou se está acordada, se a trama não passa de um sonho ou se é real, o que também permite aprender sobre essa imbricada relação existente na lógica infantil entre fantasia e realidade. Não se trata de precisar saber dessa resposta para se entender ou acreditar no espetáculo, porque o texto, a atuação dos atores, os figurinos, as coreografias e as canções constroem aquela ficção como uma realidade sentida pelo público que adentra nela e torce até o final para que o sonho das crianças sobreviva! Por isso, na medida em que o público se envolve com a trama fortemente vivida pelos personagens, ela já é uma realidade, porque produz efeitos nos que estão interagindo com ela; delicadamente, toca a criança adormecida que está no adulto...

“Sofia embaixo da cama” é, por isso, um espetáculo para todas as gerações. Valorizando a imaginação como conteúdo e método de construção do espetáculo, abraça o público infantil na medida em que o respeita e o leva a ter novos encontros, com novos mundos e personagens, os da peça e os que se criam a partir dela... Ao passo que, ao adulto, permite uma relação de alteridade com o universo infantil a partir do encontro com a (sua) infância... Quiçá os sonhos possam despertar dos baús das memórias infantis dos adultos e, enfim, as traças possam ter férias...

Deise Arenhart

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Doutoranda em Educação na Universidade Federal Fluminense/UFF, com ênfase nos estudos das culturas infantis.

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